quarta-feira, 9 de maio de 2007

Minha religião

A vinda do papa Bento XVI ao Brasil suscitou o debate sobre a religiosidade. Não há como negar que tanto os católicos quanto os não-católicos elevaram seus pensamentos a Deus mais vezes depois dessa notícia. Uma amiga minha discorda e jura que a vinda do pontífice não mudou em nada a sua fé. Eu discordo dela. Mudou sim. Ela dizia durante a conversa que achava um absurdo os gastos do governo brasileiro com a vinda do representante mor da Igreja Católica. Agora me digam, isso não é reforçar a fé em que dias melhores virão? Não é uma forma dela acreditar (e até rezar para isso) que um dia a Igreja passará a gastar menos em pompa e investirá mais nos pobres?
Pois bem. Eu não sou católica apesar de ter estudado a vida inteira no colégio Nossa Senhora do Rosário. Não sou evangélica. Não sou espírita. Não sou budista - ainda. Não sou de nenhuma religião. Sigo uma espécie de preceito próprio. Até parafraseado dos cristãos: não faça aos outros o que não gostaria que fizessem com você. Pronto. Isso para mim já basta e confesso que é difícil pra caramba de seguir. A todo momento me vejo fazendo um comentário maldoso, um deboche de alguém. Não matei ninguém (que eu saiba), mas passo por um mendigo como se ele fosse um poste. Não gostaria que fizessem isso comigo se estivesse nessa situação, mas mesmo assim faço com os outros.
Na maioria das vezes não tenho paciência com as pessoas com menos instrução, com velhos que insistem em parar na porta do ônibus impedindo a saída dos passageiros, com aqueles que jogam lixo no chão e por aí vai. Têm horas que tenho vontade de sair esbofeteando a todos. No entanto, não gostaria que se eu não tivesse tido educação ou instrução alguém perdesse a paciência comigo. Também não acredito Deus, da forma que as pessoas acreditam. Rezo para Ele todos os dias, mas mim esse Deus não é personificado.
Minha religião é a natureza, que vive na mais perfeita harmonia e é um exemplo a ser seguido. Por isso digo que, provavelmente, se continuarem a me encher a paciência por não ter uma religião - estou falando da minha mãe - eu deva virar budista que também não crê em Deus na forma como colocam. Para exemplificar os meus pensamentos está aí logo abaixo um poema perfeito, de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa, escritor e poeta português genial. Este poema não tem nome, assim como todos deste autor, mas está no livro O Guardador de Rebanhos.


"Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que idéia tenho eu das cousas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?
"Constituição íntima das cousas"...
"Sentido íntimo do Universo"...
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora".

5 comentários:

Anônimo disse...

Trinta anos, mas corpinho de vinte e nove.
Há braços!!

Anônimo disse...

Parabéns, friend!!!!! Iuhuuuuuu....

Pedro disse...

Gostei do poema que escolheste de Fernando Pessoa (que aliás ja conhecia). Convido-te a visitares meu blog -http://sobreoquesomos.blogspot.com - que tem como objectivo a discussão deste tipo de assuntos.

Adnanda disse...

Juliana!
Adorei o poema... mas concordo com a sua amiga, que até imagino quem seja, que a vinda do papa não mudou nada na minha vida. Eu respeito os católicos, mas não gosto do catolicismo... e nem do papa. Para mim, ele é um cidadão normal como eu, como você... como qualquer um!
Eu respeito Joseph Ratzinger, mas não me reverencio à "instituição" Bento XVI. Acredito em Deus e isso já me basta.
Beijo,
Amanda.

Anônimo disse...

OI!

Achei seu blog muito por acaso. Estava à procura da trilha sonora do filme De repente 30 e então... Encontrei essa maravilha aqui!

Não, não estou pedindo q me ajude com as músicas do filme (ñ que seja má idéia, já que ñ estou achando as que quero), mas estou deixando esse comentário porque realmente vc conseguiu prender minha atenção. E olha q isso é muito raro! Sua objetividade é incrível, parabéns! Gostei muito do que li aqui. E acredite, voltarei para ler outros textos. Em especial, gostei do q escreveu sobre ter 30 anos e sobre a dieta das estrelas. Me identifiquei bastante!

Ah, não pretendo me manter no anonimato. Tenho 19 anos e moro em Fortaleza. Parabéns mais uma vez!

*M